Nas últimas décadas, com o aumento da expectativa de vida e o processo de envelhecimento da população, cresceu a preocupação com distúrbios cognitivos, que tendem a se tornar mais comuns com o avançar da idade. Os termos “demência” e “comprometimento cognitivo leve”, além de muito utilizados por médicos, aparecem com frequência na mídia e na linguagem leigas.
Para compreender esses conceitos, é importante entender o que é a cognição. Cognição pode ser entendida como o conjunto de funções cerebrais responsáveis pelo processamento e interpretação das informações que chegam ao cérebro e pela programação e planejamento de respostas a tais informações. Essas funções, chamadas de funções cognitivas, são desempenhadas por diversas redes neurais, ou seja, conjuntos de neurônios interligados que apresentam uma função em comum. Exemplos de funções cognitivas incluem: memória, linguagem, capacidade de calcular, capacidade de orientação espacial, função executiva (capacidade de planejamento sequencial de ações) e raciocínio abstrato, entre outras. A cognição faz com que possamos entender o que acontece à nossa volta e definir cursos de ação apropriados a cada situação, além de permitir que aprendamos com experiências anteriores.
As redes neurais responsáveis pelas funções cognitivas são formadas por neurônios localizados em diversas partes do cérebro. Esses neurônios comunicam-se uns com os outros através de conexões chamadas de sinapses. Para o adequado funcionamento das redes neurais, é preciso que os diversos neurônios que as compõem estejam saudáveis e suas sinapses, funcionais. Como essas redes são complexas, envolvendo um grande número de neurônios e conexões em diferentes locais do cérebro, muitas lesões e doenças neurológicas podem comprometer as funções cognitivas e levar a distúrbios cognitivos.
Tipicamente, a cognição sofre um declínio com o envelhecimento, que até certo grau é considerado normal. No entanto, algumas condições podem levar a um comprometimento da cognição acima do esperado para um envelhecimento normal. Nesse contexto, surgem as condições que chamamos de demência e comprometimento cognitivo leve.
Demência é uma síndrome caracterizada por um declínio das habilidades cognitivas que é significativo a ponto de levar a uma redução da capacidade doindivíduo realizar atividades de vida diária (manejar finanças, fazer compras, usar o telefone, cozinhar, comparecer a compromissos, cuidar da higiene pessoal, tomar banho, trocar de roupa, etc.). Isso faz com que ele perca sua autonomia e se torne dependente de outras pessoas.
Por sua vez, comprometimento cognitivo leve (também conhecido pela sigla CCL) ocorre quando há declínio cognitivo sem comprometer a capacidade de realização de atividades de vida diária, preservando a independência funcional do indivíduo. Assim, CCL é uma situação intermediária entre a cognição normal e a demência. Pessoas com CCL apresentam um risco maior de desenvolver demência no futuro. No entanto, muitos indivíduos com CCL mantêm-se estáveis ou podem mesmo reverter à cognição normal, sem evoluir para demência.
É importante lembrar que demência e CCL não se referem a uma doença específica, mas sim a conjuntos de sinais e sintomas. Assim, diferentes doenças e condições neurológicas podem causar demência ou CCL. Entre suas principais causas estão: doença de Alzheimer, demência vascular, demência com corpos de Lewy, demência frontotemporal, demência associada à doença de Parkinson, entre outras.
Os distúrbios cognitivos manifestam-se através de sintomas como esquecimento (esquecer o que as pessoas falam, fazer repetidamente as mesmas perguntas, não se lembrar de compromissos ou eventos importantes, etc.), problemas de linguagem (dificuldade para encontrar palavras, dificuldade para entender a fala, dificuldade para formular frases, entre outros), perda da capacidade de se localizar no espaço (por exemplo, perder-se na vizinhança ou na própria casa, dificuldade para encontrar um local que a pessoa já conhece), piora no desempenho de tarefas que antes o indivíduo dominava, redução do cuidado com a aparência e higiene pessoal, desorientação temporal (não saber se situar no tempo, por exemplo, confundindo-se com relação ao dia, mês e/ou ano), alterações comportamentais (mudanças de personalidade, comportamento indevido ou inapropriado, agressividade verbal ou física, etc.). No caso das demências, também há dificuldade progressiva na realização de atividades cotidianas.
Quando surgem tais sintomas, é importante buscar assistência médica para que se possa definir se de fato se trata de um distúrbio cognitivo e qual o diagnóstico exato. As diversas funções cognitivas podem ser avaliadas através da entrevista com o paciente e seus familiares e de diversos testes realizados no próprio consultório. É muito valiosa a presença de um acompanhante na consulta que conheça bem o paciente e a história de seus sintomas, pois muitas vezes indivíduos com alterações cognitivas não percebem que estão com algum problema. Através da avaliação no consultório é possível verificar se o paciente de fato apresenta declínio cognitivo e identificar os diagnósticos mais prováveis. No entanto, na maioria das vezes são necessários alguns exames complementares para que se possa estabelecer um diagnóstico preciso para o declínio cognitivo. Entre os exames mais utilizados estão os exames de imagem cerebral e exames laboratoriais.
Bibliografia:
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